"A verdade é que continuamos a desvalorizar o poder que exercemos sobre os outros, achando sempre que não conseguimos atingir o interlocutor. Mentira: basta, por vezes, uma frase agreste, para lhe provocar os mais estranhos comportamentos, equívocos e intenções. Depois, o outro fica embatucado, digerindo o quelhe dissemos, e nós supomo-lo indiferente. Outro erro: a indiferença não passa de uma atitude, pois ninguém é imune a insultos, reparos ou desconsiderações. É então que carregamos no tom e reincidimos, tentando ao menos abaná-lo, e que o outro, já ferido, reage de forma imprevisível.
As palavras, por exemplo: têm um valor facial tão poderoso ou mais do que a intenção que lhe preside. Ou o contrário: o tom que usamos ou a expressão que esboçamos podem causar mais dor e ressentimento do que uma bofetada em pleno rosto. Sabemo-lo por nós, que raramente recordamos o que os outros nos dizem, literalmente, fixando apenas a forma desagradável ou antipática como se nos dirigem: «Fez um ar arrogante», «Disse-o de costas, sem sequer se levantar», «Olhou-me, insolente». Seria bom saber a quem, ou como, tivemos o condão de tocar, mas essa consolação ninguém a tem."
Não me contes o Fim, Rita Ferro
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